sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Atitude e Superação: alfabetizadora, aprendeu a ler e escrever aos 36 anos.

(Crédito: Arquivo IPF). Ana Luísa Vieira, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz. “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” Paulo Freire, no livro “Pedagogia da Autonomia”. Dona Maria da Penha é lembrada na comunidade de Santa Rita, localizada em Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, por ser imbatível nas contas. Vendedora de doces, a senhora de 86 anos conquista pela conversa e pelos preços camaradas. Em 2012, durante um bate-papo de fim de tarde, uma de suas freguesas, Laudiceia Ferreira da Cruz, mais conhecida pela vizinhança como Lalá, notou que Maria, tão eficaz na hora de lidar com o dinheiro, não sabia ler nem escrever. Lalá não teve dúvidas: convenceu a doceira a se matricular em um grupo de alfabetização de jovens e adultos que se reunia na igreja do bairro. “Dona Maria fez parte da minha primeira turma de educandos. A força dela é inspiradora para mim”, emociona-se a alfabetizadora do Projeto MOVA-Brasil, de 46 anos.
A história de vida de Lalá cruza-se com a de Maria em outro aspecto: ela própria só conseguiu se alfabetizar quando adulta, há dez anos, também graças ao MOVA-Brasil. Mais de 13 milhões de brasileiros acima dos 15 anos ainda são analfabetos, aponta a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). O estudo mostra ainda que 53,6% dessas pessoas moram na Região Nordeste. O Sudeste está em último lugar nessa lista. No estado do Rio de Janeiro, onde Laudiceia nasceu, a taxa de analfabetismo é de 4,95%. Na Paraíba, terra natal dos pais de Lalá, o problema atinge 18,62% da população. De alfabetizanda a alfabetizadora O trabalho infantil fez Laudiceia se afastar da escola. “Minha família era muito pobre e não tinha a noção que hoje eu tenho, de que o trabalho infantil faz muito mal. Trabalhar roubou o meu direito aos estudos quando criança”, afirma. Aos 11 anos, ela deixou o colégio. Estava na 2ª série, ainda aprendendo a escrever. Precisou se desligar para ajudar no sustento da casa. Ela e os quatro irmãos dividiam os pares de chinelo e o único ovo do almoço. Passou a trabalhar como cuidadora de uma idosa. Depois, arranjou um emprego de babá e também foi empregada doméstica. “Quando fiz 15 anos, cheguei a morar na residência dos meus patrões. Via minha família a cada 15 dias.” O analfabetismo lhe causava problemas cotidianos. Não conseguia preencher uma simples ficha de emprego, tampouco ler o letreiro dos ônibus. “Muita gente maldosa me indicava o transporte errado. Hoje, se eu puder, até levo a pessoa ao local desejado se percebo que ela tem o mesmo problema que eu tinha”, conta. A oportunidade de voltar à sala de aula veio quando Lalá tinha 36 anos. À época, já era mãe de quatro filhos (Julio Cesar, Juliana, Priscila e Mariana) e estava grávida de Letícia – o caçula, Renato, nasceu menos de dois anos depois. “Todos eles tiveram a chance que eu não tive na infância, a de estudar”, ressalta orgulhosa. Lalá se lembra bem de como o MOVA apareceu em sua vida. “Uma alfabetizadora bateu lá em casa perguntando se eu não tinha interesse em retomar os estudos. Achava difícil, já tinha passado dos 30, minhas meninas eram pequenas. A moça foi insistente... Ela me incentivou a ponto de conseguir um carrinho de bebê, para que eu pudesse levar a Mariana do trabalho até a sala de aula”, relembra, contando que as outras crianças ficavam com a avó. Foi a educadora Lucilene Michele de Azevedo quem atentou para a dificuldade da família. Ela deixou uma lição prática, da qual Lalá jamais se esqueceu – a mesma que faz questão de repassar a seus alfabetizandos: “Saiba que tudo o que se planta dá”. A fim de melhorar a alimentação da família, fez uma horta no quintal e passou a vender verduras. Conheceu também uma ONG, chamada Rede de Mulheres, que estimula a ajuda mútua entre as moradoras do bairro. Uma das atribuições do MOVA é fazer o educando entender a própria comunidade e se sentir parte dela, o que Paulo Freire chamava de Leitura do Mundo. Uma nova realidade “O jeito cidadão do MOVA me incentivou a voltar a estudar e a entender o mundo. Até então, eu não sabia quais eram meus direitos e deveres”, diz Lalá, sem se esquecer do dia em que aprendeu a letra L. “Chorei muito e olhava o papel sem parar. Decidi me esforçar para aprender logo o nome dos meus filhos. A cada aula, eu me envolvia mais.” O curso de alfabetização do MOVA, de sete meses, a preparou para o Supletivo. Anos depois, quando soube que Lalá o havia concluído, Lucilene Michele novamente bateu à sua porta. Dessa vez, para convencê-la a fazer um teste de capacitação para ser alfabetizadora do MOVA-Brasil. E assim a história se fez. Lalá ganhou sua primeira turma em 2012. “A metodologia de Paulo Freire é diferenciada. No MOVA há roda de conversa, Círculos de Cultura... Os temas geradores das aulas são relacionados ao dia a dia dos adultos. Tanto o educador quanto o educando são participativos e presentes. É um método que nos torna cidadãos.” Em 2012, Lalá tinha 20 nomes na lista de chamada. Nesta segunda turma, de 2014, são 19 alfabetizandos. “Fiquei famosa no bairro por ter aprendido a exigir os meus direitos. Antes, eu era muito quieta. Hoje participo até de panelaço, se for preciso. Muita gente me procura para que eu ajude a tirar documento, a conseguir vaga no hospital. Ano que vem, quero fazer faculdade de Serviço Social. É um grande sonho! Acho que levo jeito, né?”. O que é o MOVA-Brasil? Criado em 2003, é um projeto do Instituto Paulo Freire (IPF), em parceria com a Petrobras e a Federação Única dos Petroleiros (FUP). Tem atuação em 11 estados e já formou mais de 200 mil brasileiros, além de 10 mil alfabetizadores. A base do MOVA-Brasil é o MOVA-SP, lançado em 1989, época em que o educador Paulo Freire (1921-1997) foi secretário municipal de Educação de São Paulo. Em 2012, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei 12.612, que declara Freire como Patrono da Educação Brasileira. Fonte: Fundação Promenino. Acesso em http://www.promenino.org.br/noticias/reportagens/vitima-do-trabalho-infantil-laudiceia-cruz-hoje-alfabetizadora-aprendeu-a-ler-e-escrever-aos-36-anos?utm_source=emailmanager&utm_medium=email&utm_campaign=Boletim_93

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