quarta-feira, 11 de abril de 2012

Além da Libras e do oralismo.

O ator de teatro Nelson Pimenta, 40 anos, garante que a surdez nunca foi empecilho para sua inclusão no mercado de trabalho, porque sempre viveu voltado ao mundo dos surdos. Ele ressalta, porém, que já teve dificuldade de relacionamento por causa da comunicação. Surdo desde o nascimento, ele não é oralizado. Se comunica apenas em Libras. “Cresci sem perceber que era diferente, pois na minha família todos, ouvintes e surdos, se comunicam em Língua de Sinais. Somente na adolescência descobri que era surdo e a maioria das pessoas não”, diz ele. “Esse atraso na descoberta da diferença foi benéfico, pois adquiri uma integridade forte e auto-estima elevada.” Pimenta mora no Rio, estuda cinema na Faculdade Estácio de Sá, dá aula de Libras para surdos e ouvintes e dirige uma produtora, criando vídeos e livros para melhorar a educação dos surdos e a comunicação com os ouvintes. Além da Libras e do oralismo, muitos surdos usam o bimodalismo (fazer o sinal em Libras e falar ao mesmo tempo) para se comunicar. Esta é a forma que a pedagoga Ana Lídia Bastos Thalhammer, 47 anos, surda desde os 4 anos por causa de uma pneumonia, encontrou para ensinar e se comunicar com seus alunos surdos. Ana é oralizada e, diferentemente do ator Nelson Pimenta, passou toda a infância sem usar Libras ou gestos. “Só fui aprender a Língua de Sinais depois de adulta para me comunicar com alunos surdos que não conseguiam fazer a leitura labial”, explica a pedagoga. Ana conta que sofreu muito na adolescência, quando deixou de estudar em escola especial e foi para uma escola regular. Os colegas ouvintes não admitiam o fato de ela ser diferente. Por isso, não a aceitavam em seus grupos. “A situação só melhorou quando me formei e passei a dar aulas nessa mesma escola. A partir daí, colaborei para a instituição receber outros alunos surdos”, lembra. Para a pessoa surda ser bilíngüe é preciso que domine o português e saiba a Língua de Sinais. Esta é uma das habilidades de Ana Lídia, que é coordenadora pedagógica na área da surdez da Faculdade e Colégio Radial e professora de Libras na UniFMU, ambas em São Paulo. A Radial tem 4.000 alunos em todas as suas unidades – 58 são surdos. Segundo Ana Lídia, a comunidade surda acha e acredita que a Língua de Sinais é a melhor forma de comunicação entre surdos, e, enfatiza, necessária aos ouvintes. “Particularmente, não aceito a Língua de Sinais sem usar a fala concomitantemente. Devemos usar as duas formas de comunicação, porque facilitam o entendimento para os surdos. Se ele não faz leitura labial, usa o gestual, ou vice-versa, ou as duas juntas”, afirma. Aprender Libras ou desenvolver a fala desde cedo dependerá do contexto familiar em que a criança vive. Para a fonoaudióloga, coordenadora e professora do curso de Aprimoramento Linguagem e Surdez da DERDIC/PUC-SP, Maria Cecília de Moura, é papel do fonoaudiólogo fazer a família compreender a necessidade de inserir a criança o mais cedo possível num ambiente lingüístico que possibilite a aquisição de linguagem da forma mais natural – no caso do surdo, a Língua de Sinais. “É por meio desta língua que ele poderá se constituir como sujeito pleno”, afirma. “Quanto à oralidade, considero que as crianças que tiveram condições de desenvolvê-la deveriam ter a possibilidade de usá-la. Não no sentido de inclusão na sociedade por meio da oralidade, mas no sentido de que esta pode ser um facilitador no dia-a-dia do surdo.” Existem adaptações de aparelhos de amplificação sonora que auxiliam na oralização dos surdos, mas Maria Cecília deixa claro que o aparelho tem papel apenas na oralização, não na alfabetização. Em muitas escolas para surdos ainda se pensa na alfabetização como uma transposição da oralidade. Aí está o problema. “Enquanto se pensa dessa forma, o processo de ensino-aprendizagem da escrita continuará sendo dificultoso, quando não impossível, para muitos surdos.”Em seu consultório, a fonoaudióloga atende crianças, adolescentes e adultos surdos que muitas vezes a procuram depois de tentativas frustrantes com a oralização. Maria Cecília avisa que isso não deveria acontecer, pois logo que a surdez é diagnosticada os pais devem procurar um fonoaudiólogo para serem orientados sobre como propiciar a seus filhos o aprendizado da Língua de Sinais e para que sejam feitas as outras indicações necessárias como aparelhos auditivos e treino de fala. Foi o que fizeram os pais da estudante do curso de Química da Universidade Federal de Santa Catarina Anahí Guedes de Mello, 28 anos, que tem surdez progressiva, do tipo neurossensorial bilateral profunda. Após operar o ouvido esquerdo aos 3 anos de idade – quando a surdez foi descoberta – Anahí passou a usar um aparelho auditivo e a realizar sessões de fonoterapia, não para adquirir a Libras, mas sim para desenvolver a fala e mais tarde com a ajuda da mãe, a escrita e a leitura. Independentemente da surdez, Anahí conta que quando criança levou uma vida feliz, interagindo com as outras de sua idade, frequentava escola regular. Na adolescência, preferiu muitas vezes trocar as diversões por livros e conversas intelectualizadas. “Era mais divertido dar aulas de matemática, análise sintática e química aos colegas de escola do que ficar conversando sobre assuntos típicos de adolescente.” Nesta fase, a surdez representava para Anahí, uma série de questionamentos sobre valores. “Passei a encarar a surdez não apenas como uma limitação biológica, mas também como uma condição intrinsecamente humana, podendo ser superada dentro das minhas possibilidades, sem limitar as minhas escolhas e desejos.” Lista de discussão Anahí é uma da moderadoras da lista de discussão dos Surdos Oralizados (anahí@saci.org.br). Além de estudar, trabalha com controle de qualidade de medicamentos homeopáticos e produtos cosméticos. A estudante é defensora do oralismo e do implante coclear, cirurgia que realizou há um ano. “Hoje, a surdez gira em torno das minhas emoções pela descoberta de novos sons a cada dia.” A polêmica em torno do oralismo e da Libras existe há muito tempo, mas é preciso lembrar que o importante é a inclusão do surdo na sociedade, que é constituída, na maioria, por ouvintes. A oralização para o surdo, bem como a aprendizagem de sinais para o ouvinte que convive diretamente com ele, é uma tentativa de superar os limites e transpor barreiras na comunicação. Para que se compreenda melhor o desafio da comunicação alternativa, a fonoaudióloga da equipe de Implante Coclear do Hospital das Clínicas da Unicamp, Silvia Fernanda Curi, faz uma comparação: “Quando vamos a um país de língua estrangeira, mesmo que não sejamos surdos, podemos não conseguir nos comunicar oralmente e fazer uso de gestos para entendermos e sermos entendidos.” Esta diferença de linguagem, analogamente ao que ocorre no dia-a-dia do surdo, não faz com que os ouvintes sejam melhores ou piores, apenas diferentes. “Mas o conhecimento da língua e a tentativa de nos comunicarmos por meio de uma língua comum alargariam as nossas possibilidades e tornariam a nossa viagem bem mais interessante.” Deixar de ser oralizado quando há possibilidade de sê-lo pode fazer falta para a pessoa surda. Silvia argumenta que se o surdo se limitar a uma comunicação apenas por sinais perderá, além da oportunidade de interagir mais efetivamente com pessoas ouvintes – muitas vezes interessantes -, a compreensão de um mundo organizado em grande parte para uma população ouvinte, não recebendo informações importantes através da fala, da leitura orofacial, o que muitas vezes o capacitaria para uma melhor qualidade de vida, considerando os aspectos emocionais, financeiros e sociais, correndo o risco de se isolar em um mundo limitado. O debate que se inicia pede que todos participem de coração aberto. Implante coclear O implante coclear (IC) é uma possibilidade de levar informações sonoras a uma pessoa que naturalmente não poderia recebê-las. O IC pode trazer benefícios desde o simples reconhecimento de sons ambientais, auxiliar na compreensão da fala com apoio visual e falar ao telefone. As respostas auditivas dependem de vários fatores, como as condições da cóclea, do nervo auditivo, número de eletrodos inseridos, tempo de surdez, trabalho e fonoaudiológico efetivo. Existem algumas desvantagens, como a necessidade de intervenção cirúrgica para colocação do dispositivo interno, necessidade de acompanhamentos periódicos para ativação, programação e ajustes, o custo das baterias, ter uma parte externa que é suscetível a acidentes (processador de fala, microfone, cabos e antena). Mas, geralmente, os usuários de IC consideram essas desvantagens mínimas, quando avaliada a relação custo-benefício. Fonte 1: Revista Sentidos, Fonte 2: http://www.umtoquedemotivacao.com/comunicacao/oralizacao-x-lingua-de-sinais/

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