
O negócio de editar livros é, por natureza, pequeno, descentralizado, improvisado e pessoal – ou, pelo menos, é o que afirma o americano Jason Epstein, ex-diretor editorial da prestigiada Random House, importante editora em escala planetária, que de pequena e improvisada, aliás, não tem nada. Hipocrisia? Nem tanto: talvez seja simples necessidade de negar a realidade, uma superstição anticapitalista bem contemporânea…
Parece que o destino do “negócio de editar livros”, em todo o mundo, é não ser levado tão a sério quanto as outras atividades capitalistas. E no Brasil (mais grave ainda!) parece quase um destino do próprio capitalismo não ser encarado (ou não se aceitar) como tal.
Talvez justamente por isso, o negócio (capitalista) de editar livros atraia tantos sonhadores. Um deles é Alvanísio Damasceno, amigo querido, poeta e jornalista, que comanda a pequena Quartet Editora.
A Casa foi criada há cerca de 15 anos para atender a uma demanda por livros na área de gestão empresarial. Algum tempo depois, mudou o foco para o segmento acadêmico/universitário, nas áreas de Educação e Comunicação.
Por acreditar que sonhar-não-custa-nada, meu bom amigo Alvanísio sonha com um Estado que regulamente as relações entre as editoras, concorrentes necessariamente desiguais, como em qualquer negócio capitalista. Por isso, ele valoriza as compras maciças de livros escolares promovidas pelo Governo e qualquer eventual ação que contrabalance a tendência à concentração do setor (como a implantação do preço fixo, por exemplo).
Alvanísio Damasceno vem inaugurar a série de entrevistas que este blogue sonha (não “custa nada”, afinal) publicar com os pequenos grandes editores brasileiros.
Como anda o mercado de livros acadêmicos?
Não é de hoje que o mercado de livros acadêmicos vive espremido entre as cópias xerox feitas pelos alunos e a falta de verba das universidades para renovar o acervo de suas bibliotecas. As tiragens são cada vez menores e os preços de capa, maiores. Há algumas brechas, como o apoio a publicações feito por instituições do tipo Faperj ou Fapesp e algumas compras governamentais (como as feitas pelo Ministério do Meio Ambiente para formar suas bibliotecas Sala Verde, por exemplo), mas é pouco para garantir a manutenção ou ampliação desse mercado. Há autores que propõem financiar a publicação de suas teses/dissertações, mas as possibilidades de se publicar uma obra importante nesses casos diminuem muito. A oferta de documentos científicos em meios eletrônicos (bibliotecas virtuais) e a possibilidade de publicação no sistema on demand (com tiragens de 10 /20 exemplares) resolvem o problema de pesquisadores interessados em um tema muito específico e o de autores que publicam só por vaidade…
Já não há livros demais no mundo?
Tenho esta sensação, de que há livros demais no mundo – a começar pela minha própria biblioteca, que cresce muito mais do que minha capacidade de leitura. Se eu considerar que há uma quantidade enorme de livros que não me interessam, esta sensação aumenta ainda mais Mas torço para que os editores que publicaram estes livros desinteressantes para mim tenham feito a aposta certa e que haja leitores para eles. Afinal, desde que um livro tenha leitores, já merece ser publicado – e não digo isso pensando apenas no retorno comercial da publicação.
O que falta(ria) ainda editar?
Todo ano, centenas de teses e dissertações são aprovadas com louvor e recomendação para publicação. É bem verdade que boa parte delas obteve esse status graças ao interesse das bancas em ver publicadas pesquisas que tragam visibilidade e verbas para seus programas de pós-graduação… Mesmo assim, muitos desses seriam aprovados pelos conselhos editoriais das editoras, por sua importância como documento científico – só que, por falta de capital para investimento ou falta de confiança no retorno comercial, acabam não sendo publicados.
Mas há um livro, que já foi publicado, que eu acho que ainda falta reeditar: Moronguêtá, uma espécie de Decameron indígena, do veterinário (por formação) e etnólogo autodidata Nunes Pereira. O livro reúne mitos e lendas de índios da Amazônia, terra do amor livre e sem culpa. Só por essa coleta, Nunes Pereira já poderia ser considerado nosso Boccaccio – mas ele vai além: descreve o cenário em que vivem (fauna, flora, arquitetura), hábitos, culinária, vestuário e crenças dos índios que criaram os contos eróticos incluídos no livro e mostra que os tristes trópicos não eram tão tristes assim.
Livro com preço fixo: quem ganha com isso?
Eu nunca fiz um estudo científico a respeito, mas não me sai da mente a crença de que há uma porção de leitores que não encontram seus livros nas grandes livrarias e uma porção de livros que não encontram seus leitores porque as livrarias que poderiam abrigá-los estão fechando. Isso é fruto da acentuada concentração do mercado de livros em conglomerados editoriais e grandes redes de livrarias.
Quem defende a implantação do preço fixo do livro acredita que essa medida aumentaria a bibliodiversidade – quer dizer, criaria as condições para que as pequenas editoras pudessem publicar mais e melhores títulos, porque teriam como escoar sua produção por meio das livrarias independentes, que deixariam de sofrer a concorrência das grandes redes de livrarias e dos sites de compras. Se não melhorar a vida dos pequenos, pode acabar com alguns inegáveis abusos, como o das Lojas Americanas, do supermercado Extra e outros pontos de venda alternativos, que oferecem livros da Ediouro a R$ 9,90 – enquanto estes mesmos livros só são vendidos a pequenos livreiros pelo preço de capa normal, muitas vezes superior a R$ 50,00. (Já tem pequenos livreiros comprando a R$ 9,90 no Extra pra vender a R$ 18,00 em suas lojas…)
Não há nenhuma garantia de que o preço único do livro mudaria esse cenário – mas há uma esperança, e talvez valesse a pena testá-la.
Fonte:http://antoniofernandoborges.wordpress.com/2007/10/01/da-serie-gente-que-faz-livros-alvanisio-damasceno/
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