terça-feira, 18 de novembro de 2014
Pensando sobre os artistas de rua (Blog Radar da Produção).
Por Plínio Chaves*.
No final de semana dos dias 11 e 12 de outubro desse ano, eu ajudei minha namorada na produção de uma performance de dança que rolou em dois lugares diferentes na cidade do Rio. Foi uma experiência muito interessante e vou compartilhar um pouco com vocês agora.
No sábado, dia 11, rolou a apresentação na praça da Cinelândia, no Centro do Rio. Já no domingo, dia 12, a apresentação foi no Largo do Machado. É engraçado ver como dois lugares podem ser totalmente diferentes. Foram duas experiências que pude vivenciar como espectador, já que não estava totalmente envolvido com a produção… estava apenas dando aquele apoio básico.
A proposta das artistas era realizar as apresentações todas na parte da tarde, porém na Cinelândia elas começaram por volta das 11 horas da manhã. Isso ocorreu pelo fato de que a Cinelândia fica praticamente vazia aos sábados após o meio-dia. Assim que começaram, já causaram uma certa estranheza do público passante por conta da proposta. Porém, conforme elas foram desenrolando a performance, o público foi aumentando o interesse e se aglomerando perto das artistas. Depois, conforme elas iam caminhando para outros espaços da praça, a maioria do público foi se dispersando e só sobraram alguns poucos passantes.
No final, tudo ocorreu dentro do que eu imaginava que seria. Elas fizeram a performance como de costume, o público ficou mais como espectador, alguns moradores de rua se interessaram, mas não fizeram nada para “atrapalhar” a performance.
Já no domingo, dia das crianças, lá no Largo do Machado não foi nada dentro do que eu imaginava. A performance começou por volta das 4 horas da tarde e a recepção do público já foi diferente. As pessoas ficam por lá para passarem o tempo, se divertirem com suas crianças, jogar com seus amigos e até mesmo visitar a feira que estava acontecendo ao mesmo tempo. Só que no Largo do Machado existem muito mais moradores de rua do que na Cinelândia (ou eles estão mais concentrados até mesmo por causa do tamanho do Largo). Assim que as artistas começaram a desenrolar a performance, foi juntando o público naturalmente e consequentemente os moradores de rua para assistir a performance.
Acontece que alguns moradores de rua (que, infelizmente, estavam se drogando e eram os mais jovens) não entenderam o que estava acontecendo… pareciam um pouco atordoados com a situação… tentaram inclusive assaltar a bolsa de uma das artistas. A artista que sofreu essa tentativa de assalto não podia falar pois a proposta era que não haviam falas… apenas os movimentos. As pessoas que estavam em volta, inclusive outros moradores de rua, ajudaram a artista falando que não era para fazer aquilo, pois elas estavam trabalhando e tals. Enfim… depois disso, a artista teve a sacada de chamar esses jovens para participar da performance e alguns aceitaram a “brincadeira” e participaram durante uns momentos. Mas ao mesmo tempo em que eles pareciam se divertir, algo na cabeça daqueles meninos e meninas os perturbavam também. Em certos momentos eles eram doces, outros agressivos. Acredito que isso foi efeito das drogas que estavam usando ali no meio do largo… na frente de todos… em plena luz do dia.
Não quero focar nessa questão social agora. Sei que temos muito ainda pra fazer por esses jovens e por todos os moradores de rua, mas quero falar sobre a perspicácia e o jogo de cintura que as artistas tiveram que ter para não parar a performance no meio.
(Foto: Val Lima).
Num dos momentos da performance, as artistas faziam círculos na praça com farinha de trigo e realizavam alguns movimentos dentro desses círculos. Nesse momento, uma menina moradora de rua pegou o saco de farinha e jogou em cima de uma artista que estava executando o movimento no chão. Depois a mesma menina foi jogar a farinha em outra artista que, para o azar dela, foi farinha de trigo toda na cara dela. Segundo a artista, aquilo foi quase como um “soco na cara”. Ela ficou claramente desestabilizada… com certeza perdeu a visão por alguns (longos) minutos. Eu achei que ela ia parar a performance ali, naquele momento! Sabia que as artistas tinham um acordo de que “se uma parar, todas param” e achei que naquele momento elas iriam parar.
Não foi nada disso que aconteceu. Mesmo com esse “soco na cara”, a artista continuou… pra mim ela parecia visivelmente conturbada com a situação, mas não parou nenhum momento. A performance se desenrolou e no final há uma leitura no microfone de um texto criado para a performance. Adivinhem quem faz a leitura desse texto? Sim! A mesma que tomou a “farinhada” no rosto.
Quando ela começou a ler o texto (que fala sobre o colapso que estamos vivendo), senti a voz dela embargada. Com certeza ela queria chorar, mas sua sensibilidade e seu dom artístico não deixaram. E ela continuou.
Depois disso tudo… quando elas se levantam e vão embora do Largo, que é quando acaba a performance… essa artista desaba no choro e, claro, todas as outras também choram… todos que presenciaram aquele momento ficam tentando consolá-las. Entretanto, não há nada mais que se possa fazer a não ser amparar e deixar que o choro role solto. As artistas sabiam que os jovens não estavam em seu estado consciente… não estavam respondendo plenamente pelos seus atos… em nenhum momento elas ficaram com raiva dos jovens… o que me falaram foi que aquilo tudo era muito difícil pois elas sabiam que não poderiam mudar a realidade daqueles jovens, mas que isso tudo impactava muito no trabalho delas, pois elas queriam fazer o melhor para tentar minimizar aquela situação.
Depois, conversando com elas, entendi que elas já tem essa experiência da rua… principalmente de deixar outras pessoas participarem da performance. Isso pode ser visto claramente no último teaser disponibilizado pelo coletivo:
É impressionante saber que mesmo depois de um “soco na cara”, as artistas estavam mais preocupadas na situação daquelas pessoas do que com elas mesmas. Foi nesse dia que eu percebi e dei ainda mais valor aos artistas de rua! Eu não poderia imaginar o quão cruel e dura pode ser uma simples apresentação na rua!
Sei que todos os artistas sofrem para viver de sua arte… que existem diversos obstáculos que devem ser superados ao longo da estrada… porém, no meu ponto de vista, trabalhar na rua me parece muito mais complicado do que trabalhar num palco. Agora qual tem mais valor perante a sociedade? Qual tem mais glamour? Qual é mais pomposo?
Termino aqui meu relato com o coração na mão só de lembrar daqueles momentos e tendo certeza que eu valorizo ainda mais os artistas que estão nas ruas trabalhando.
Plínio Chaves*- Bacharel em Produção Cultural pela UFF. Sócio-fundador do Radar da Produção. Supervisor do Blog do Radar da Produção.
Fonte: Blog Radar da Produção
Acesso em http://blog.radardaproducao.com.br/cultura_popular/8660/pensando-sobre-os-artistas-de-rua/
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